domingo, 29 de março de 2015

Aquilo que se carrega...

Mais uma vez, minha vida mudou. Dizem que a vida tem ciclos de três, cinco ou sete anos. Nesse momento, vivo uma mudança de três anos. Bem, na verdade, não são bem três anos, assim, fiz umas contas rápidas, acho que é esse ciclo, mas enfim, não há um rigor temporal que sirva de parâmetro de ciclos de vida, eu apenas reproduzi uma ou outra fala que a gente acaba encontrando nesses blogs de auto-ajuda por aí. Como qualquer outra coisa nesse blog, tudo não passa da vista de um ponto.
Outro dia tive uma experiência interessante. Foi quase um momento de Alice através do espelho. Eu, adulta de referência. Não me acho referência de nada, mas... Agora eu trabalho com adolescentes no início da adolescência. É um trabalho interessante, numa avaliação inicial. Deixe-me contar essa história.

A menina chega ostentando um bico de três metros e se joga na cadeira da secretaria. Eu, já na vibe pedagógica curiosa que me cabe, pergunto pra menina qual era o motivo que a levava a sentar de maneira tão furiosa. “O professor mandou eu subir”, disse ela, sem olhar para mim. Levanto a sobrancelha – na verdade, levantei as duas, nunca consegui e sempre invejei quem tem o controle das sobrancelhas. Acho tão bacana... Enfim, expressei minha inquietação com a resposta pouco esclarecedora e pedi maiores explicações. Ela falou, ainda sem olhar pra mim, daquela maneira irritantemente comum aos adolescentes, que o professor pediu para que ela corresse e ela não queria correr. Questionei o por quê. Ela disse “Porque não”. Respirei. Provoquei – porque sou dessas – dizendo que ela deveria ter corrido, afinal, era aula de educação física. Ela revirou os olhos e deu um resmungo. Sangue sobe, respiro, sangue desce. Termino de fazer o que estou fazendo e a chamo para maiores esclarecimentos. Ela se aproximou, naquela atitude de enfrentamento. Digo que nem adiantava aquilo, que iríamos conversar e ela poderia me explicar a situação direito. Aí ela começa a chorar. E eu escuto que o real motivo para aquela recusa em correr era, simplesmente, o seu peso.
“Marcela, eu não corri porque eu sou gorda.” Entre lágrimas e soluços, ela vai me explicando que não queria correr na frente dos colegas, tinha medo de sofrer com comentários acerca do seu peso, do seu corpo. Uma simples menina, impedida de realizar uma tarefa simples na aula de educação física por medo de ser julgada pela sua aparência.

Foi aí que eu percebi que o problema não era comportamental, ou de enfrentamento e rebeldia adolescente. Parada na minha frente, uma menina linda, mas que sofria pelo fato de estar acima do peso. Desarmei o bote pedagógico e resolvi somente escutar aquele coraçãozinho agoniado. Fomos andar pela escola. Enquanto caminhávamos, ela ia desfiando uma história com tantas situações conhecidas por mim, de sentimento de inadequação, medo e angústia. Aquela menina, com a qual eu já me identificava a essa altura, estava completamente perdida nesse mundo de padrões estéticos severos e tentações ululantes, sofrendo por não conseguir se adequar àquilo que era vendido como ideal. Filha de pais obesos, moradora de comunidade carente, num mundo de amigas magras e garotos cruéis, olhava para as revistas de moda e pensava “Se eu fosse magra, seria mais feliz”.
E eu, do alto dos meus trinta anos que não valiam de nada, percebi que ainda tinha o pensamento idêntico a uma menina de treze anos no que diz respeito ao sentimento de inadequação. Mas, por ser a adulta da conversa, não poderia simplesmente concordar e chamá-la para afogar as mágoas em um brigadeiro na padaria ali na esquina.

Ali, naquele momento, eu poderia fazer diferente. Mostrar a ela que todos os impedimentos só existiam naquela cabecinha, que o peso não era motivo de infelicidade, que a adolescência era um período de muitas incertezas, muitas descobertas, muitos tombos, muitos acertos. Porém, se realmente quisesse emagrecer, primeiro  deveria se aceitar da maneira como ela é: Gorda.
Ela não entendeu. Expliquei que não era simples, mas que era exatamente por se amar que conseguiria ter coragem para a mudança. Se continuasse negando a si mesma, odiando o seu corpo e detestando sua condição, não conseguiria descobrir sua motivação. Contei minha estória com a balança. Ela fez um “uau”. Uau, para mim, foi um grande elogio.
Para finalizar, retomamos o problema inicial com a aula de educação física. Reincorporei a pedagoga. Expliquei que ela não poderia se recusar a participar, pois principalmente naquela disciplina ela iria encontrar ferramentas para o objetivo de emagrecimento. Fomos para a quadra falar com o professor, que entendeu o problema e reiterou a minha fala. Um pedido de desculpas pela atitude inadequada e a adolescente voltou para a aula. E eu voltei para o meu trabalho.

No entanto, não era mais a mesma. Tinha um pouco de mim nela. E ela tinha deixado um pouco dela dentro de mim. 
Aquilo que se carrega quando a vida muda.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

A mulher que não ria

Era um consultório daquele tipo que se propõe a atender muita gente, que se amontoam no espaço reservado à sala de espera. Vários boxes numerados indicavam as especialidades - ginecologista, dermatologista, qualquer-outro-tipo-de-ista e, enfim, endocrinologista.
Havia mudado de endocrinologista por motivos de mobilidade urbana, afinal, com as obras do BRT e meu horário ingrato, contrariando o Arlindo Cruz, Madureira já não era mais um lugar tão receptivo assim. Mal sabia que estaria diante de um ser mítico da mesma estirpe que a Esfinge. Ou a Monalisa.
Se bem que a Monalisa ainda tem um meio "sorriso".
Ela abriu a porta do consultório. A médica em questão deveria ter uns 30 e poucos anos. Loira, bonita, bem vestida. Só achei um pouco séria demais, mas ok, seria nossa primeira consulta. Eu, do alto de meus 90 e muitos quilos, não esperava uma recepção calorosa.
(tampouco glacial)
Notei que na consulta a médica trocou poucas palavras comigo. Olhava entendiada pra tela do computador, enquanto seus dedos teclavam as informações que ela me solicitava. Somente aquelas perguntas de peso-altura-histórico-de-doenças-bebe-fuma-etc. Aferiu pressão. Os dedos ativos. Olhar sorumbático.
"Que mulher estranha", pensei. Me fez pedidos de exames. Passou uma dieta pronta, daquelas que sai na revista,  E tchau.
Ué? Já? Ok, primeira consulta, deve ser assim mesmo. Ela tinha uma lista grande de atendimento. Deve ser por isso.
Marquei para um mês depois. Nesse meio tempo comecei a Dukan. Dia da consulta. Ela me chama novamente. A mesma carranca. Achei estranho.
O mesmo olhar entediado. A mesma expressão sorumbática. Caramba... isso que é seriedade no trabalho.
Pesou. Aferiu pressão. Perguntou se estava fazendo a dieta. E pronto.
Foi a consulta mais impessoal que eu já tinha passado na vida. Até um otorrino seria mais afetuoso. Afinal, o otorrino TOCA no paciente, certo?
Ela resolveu que iria passar Sibutramina. E eu fiquei olhando pra ela, com os olhos curiosos. Marcou pra daqui a mais um mês.
Saí do consultório me sentindo um produto fabricado em série. Um mero nome naquela enorme lista de pacientes. A realidade dos planos de saúde contemporâneos - o médico impessoal.
Mais uma consulta - a terceira. Peso, pressão. Dessa vez ela perguntou, com o mesmo tom monocórdico, mas olhando pra mim, se eu havia começado os exercícios. Assustei-me. Uau, ela está se comunicando! Comecei a falar da minha rotina, dos meus horários. Ela desviou o olhar, apoiou a cabeça numa mão e escreveu na com a outra no teclado: "não". Calei-me.
Aí já era demais. Pensei, será que sou eu? Já havia emagrecido cinco quilos. Já não era mais a obesa estagnada de três meses atrás. Enchi-me de coragem. Perguntei:
- Vem cá, doutora... a senhora é sempre séria assim?
Ela desviou os olhos a tela, me olhou por milésimos e respondeu "Sim."
Nessa hora, fui eu que desviei a cabeça daquele ser e pensei comigo... que triste ela deve ser. Trabalha atendendo pessoas, cuidando da saúde delas, mas mesmo assim, não consegue demonstrar empatia. Talvez eu esperasse um outro tipo de atendimento, não que esperasse que fosse afetuoso, somente um pouco mais aberto para a troca. Afinal, eu não estou ali para ser um rato de laboratório.
Continuo sendo atendida pela doutora que não ri. Mas quando completei 10 quilos eliminados, subi triunfante na balança - já sabia do meu peso - ela conferiu a quantidade de peso e anunciou a conquista. Enquanto calçava os sapatos, não resisti:
- Mereço parabéns, não é?
Ela parou, desviou o olhar da tela, deu um meio sorriso e proclamou: Meus parabéns.

Saí do consultório me sentindo gente de novo.
E sorrindo.

domingo, 27 de julho de 2014

Conversas paralelas

- Caramba, garota. Achei que nunca mais ia voltar a escrever...
*
Pois é, confesso que tinha até esquecido o compromisso com o blog. Mas sabe como é, trabalho...
As duas últimas semanas tem sido bastante desgastantes. Trabalho frenético, projetos frenéticos, pós-graduação frenética. Pensando bem, o ano inteiro tem sido bastante intenso. Metade dele já se foi. E junto com ele, alguns eventos marcantes.
Já se foi a Greve...
Já se foi a Copa...
Já se foi o Recesso...
Já se foi o Disco Voador... não, isso não.
Mas nada disso importa. O que importa, por hora, é que o peso também se foi. 
Sim, saí da faixa da obesidade e cheguei no sobrepeso. Sete meses de trabalho intenso.
*
- Trabalho? Que trabalho, Marcela?
*
Trabalho, ué. Tudo na nossa vida é trabalho, porque trabalho é transformação; seja para seu sustento, seja para sua evolução. E emagrecer exige esforço, disciplina, dedicação, rotina...
Ou seja, dá trabalho. 
Todo mundo gosta de ser reconhecido pelo seu produto, por aquilo que pode oferecer. Saber do que você é capaz, reconhecer seus talentos - e ser reconhecido por isso - é importante para sentir-se confiante ao assumir o desafio. Essa confiança gera motivação para construir um planejamento, que será o caminho para chegar ao objetivo desejado. No emagrecimento, esse caminho é permeado por desafios e tentações, mas quando construído em cima de objetivos possíveis, reais, certamente será atingido no prazo estabelecido. Porque além do objetivo e da motivação, é preciso estabelecer um prazo para alcançar essa meta que você estabeleceu. 
*
No entanto, penso que o prazo não precisa ser o final de tudo. Eu não cheguei ao peso final - não gosto de ideal, porque ideal por ideal, cada um tem o seu, seja pra paz mundial ou pra fazer guerra com o vizinho, o que não vale é incomodar o outro porque o ideal dele não é igual ao seu ideal e vice-versa-e-versa-o-vice. Eu não quero emagrecer até virar do avesso, como deseja a minha endocrinologista, que me propôs os surreais 59kg (ainda não falei da minha endocrinologista, essa história é ótima, já tenho até título, "a mulher que não sorria", mas vou deixar pra outro post), mas a cada quilo perdido, sinto uma grande euforia por me aproximar cada vez mais do primeiro objetivo dessa missão. Hoje, beirando os 79kg, estou prestes a  alcançar a primeira meta do meu planejamento: os 78kg.
*
- Ué, mas quem chega aos 78 chega aos 59, né não?
*
Não. Não é assim. É preciso tempo pra que o corpo se acostume com essa nova realidade, com esse novo peso, sendo capaz de continuar emagrecendo. Foram 20kg. Para o processo de emagrecimento, essa diminuição de peso, no ritmo que segui, é tranquila, mas a cada etapa alcançada, ou seja, quanto mais você se aproxima da faixa de peso regular para a sua altura, MAIS INTENSO DEVE SER O PROCESSO DE EMAGRECIMENTO. Ou seja, eliminar 20kg iniciais é mais "fácil" que os 10kg finais. Não sou somente eu que digo isso, são médicos, profissionais de educação física, pessoas que lidam todos os dias com a dinâmica do emagrecimento. Tanto que um já me recomendou até um dia do lixo - veja só, um dia pra comer porcarias. Ainda não tive coragem. Mas tem dias que dá vontade, admito.
Fora isso, a falta da rotina de exercícios ainda me impede de ser mais eficaz nesse meu processo. Admito que um trabalho, o formal, afeta o outro, o de emagrecer, direta e indiretamente. Trabalhando, tenho possibilidade de seguir a dieta com uma alimentação regrada. Mas não tenho tempo - nem disposição, admito - para chegar na academia e fazer as duas horas de exercícios intensos que eu sei, me ajudariam desde o início. 
*
- Mas por que você não faz uma caminhada, corre no fim de semana, faz umas abdominais...?
*
Caraca, sério mesmo? Chega de ficar justificando as coisas, aliás, nem tem motivo pra isso, afinal, sou eu comigo mesma numa bipolaridade sincera, exercendo meu direito a dupla personalidade, quase mandando esse meu alter ego para o quinto dos infernos!
*
E se acharem o corpo destroçado, coberto com as minhas digitais, digo que não fui eu.
Foi meu Eu-Lírico.


quarta-feira, 4 de junho de 2014

Redesenhando...

Vou começar esse texto com uma expressão bem pouco original:
"Na minha opinião..."
Logo, fique à vontade para ler, descartar, opinar ou ignorar, concordar ou discordar.

Sempre fui uma criança gorda e gulosa, que afogava suas mágoas na comida. Ser gorda não era de todo um problema. Só era um problema quando eu resolvia acordar, sair da cama e conviver com as pessoas. Ninguém aguenta uma criança gorda, gulosa e dramática. Nem eu me aguentava..
Durante a infância e o início da adolescência passei grande parte do tempo observando o mundo e tentando compreender o porquê de algumas coisas. Uma criança questionadora nunca foi uma coisa fácil de se levar, ainda mais quando, além de questionadora, era também portadora daquele viés dramático que eu comentei, do tipo "só acontece comigo". Convenhamos, infância não é um período tão feliz assim... Afinal, tanta coisa era praticada diferente da teoria... Em um certo momento acabei por achar a solução de grande parte dos meus problemas juvenis: o sarcasmo. Junto com o drama, foi responsável por causar/resolver uma boa parcela dos conflitos nos quais tive participação. Enfim, um pouco do meu sarcasmo foi controlado com algumas chineladas e mocas doloridas do meu pai. Porém, quando não havia esse controle, era fatal: eu deveria aprender a conviver com as consequências da situação na qual me envolvi por causa dessa minha mania de questionar, dramatizar, ironizar, não necessariamente nessa ordem.
Quanta coisa passa pela nossa vida e não conseguimos entender. No entanto, em alguns momentos eu tento buscar relações entre esse meu processo de engorda-emagrece e a construção da minha personalidade. Eu não fui educada para me preocupar com a aparência. Tomar banho, escovar os dentes e pentear os cabelos eram as únicas coisas cobradas pelos meus pais, fora os estudos, mas eles nunca precisaram me cobrar nada, sempre fui alguém que levou a escola com tranquilidade. Mas a forma de conduzir o cuidado com a aparência -e aí coloco como aparência mesmo, estética - nunca foi algo cobrado. Tínhamos um certo conforto, bolachas para o lanche e refrigerante nas refeições. Só que existia uma coisa que sempre me intrigou: a dona sustância.
Meus pais tiveram uma infância com dificuldades severas. Dessa forma, na minha casa sempre pairou um fantasma da gulodice que era chamado por um nome, Sustância. Dona sustância habitava todas as refeições. Era preciso comer, comer muito, comer até ficar cheio (e não uso a palavra "satisfeito" propositalmente). E em qualquer situação, a comida era o pilar que sustentava esse sistema, seja em encontros familiares, saída com os amigos ou qualquer outra situação. Até a ida para a escola era motivado pela pergunta "e o lanche?". Contudo, por ser uma condição que não me causava estranhamento - afinal, comer é gostoso - eu não era capaz de perceber que aquilo era prejudicial para mim, que traria consequências severas para a minha saúde e se refletiriam na minha vida adulta com muitos quilos, colesterol alto e triglicerídios acima do normal.
Aí, é nessa hora que paro e penso: devo culpar alguém? Devo me culpar?
Bem, não sei se a culpa é algo que caiba nesse texto. Na verdade, culturalmente temos a maneira de se relacionar com a comida dessa forma, o que não quer dizer que é certo ou errado, dependendo daquilo que se entende como certo e errado. Comer é algo natural. Mas engordar, no caso, não é uma condição natural, é algo produzido por uma alimentação errada, pois todo corpo tem seus limites.
Ser e estar gordo são condições diferentes. O peso biológico é passível de modificação, mas o peso emocional, a percepção dos seus limites são condicionados aquilo que você constrói como movimento de crescimento pessoal. Analisando bem o meu processo de crescimento e aumento de peso, percebo claramente que os momentos onde eu mais engordei foram aqueles onde a comida tornou-se um aditivo para o meu regojizo ou para o pranto.  Pensar sobre a tristeza ou a alegria eram menos importantes do que comer por tristeza ou alegria. Mais que isso, para conseguir se perceber alegre ou triste, eram importante mastigar qualquer coisa.
Daí, se eu não fui educada para pensar nisso, é correto afirmar que eu sou produto de uma educação para uma cabeça gorda, porém sou capaz de questionar essa educação e construir uma nova maneira de me relacionar com a comida. Claro, a partir do momento que eu tenho esclarecimento sobre essa situação, posso fazer um movimento para modificá-lo.
Mas... ninguém disse que será fácil, certo?

Rabisco feito pelo marido, ano passado.

domingo, 25 de maio de 2014

Um novo comportamento

A determinação nunca foi o meu ponto forte. Como boa geminiana, sempre fui das mais dispersas, daquelas que começam diversas coisas, mas nunca terminam. Livros lidos pela metade, nossa, perdi as contas. Cursos, então, foram vários: canto, teatro, fotografia, umas duas pós, e... regimes. Da parte do início empolgado ao final desinteressado, são dias e dias que me fazem saber um pouco de tudo, mas não fechar ciclo nenhum.
Fiquei pensando sobre isso quando fui ontem na minha mãe. Fiz um ano de casada no último dia 8 de maio, e já são dois anos morando fora da casa dos meus pais. No entanto, ainda tem tanta coisa minha lá que às vezes parece que a situação de casada é somente uma coisa temporária.
E não é.
Foi uma escolha. E muito bem escolhida, por sinal.
(nesse momento, marido revira os olhos e suspira - é, eu que sei...)
*
Pausa para um tapa no marido pela gracinha, que morre de rir e pergunta "Que foi que eu fiz???"
*
Resolvi que deveria mudar essa situação, pois ela reflete tudo aquilo que eu penso no momento: eu preciso quebrar esse ciclo de coisas inacabadas, preciso começar a fazer com que as coisas respeitem uma ordem natural de começo-meio-fim.
Não, não vou me rematricular em todos os cursos e ler todos os livros... Acontece que algumas vezes essas coisas já não são mais importantes pra gente, ou já não tem mais nada a ver com a nossa personalidade ou realidade de hoje. Mas nós continuamos carregando esse peso, esse carma, e deixando pra depois o momento de finalmente dar um ponto conclusivo nessa história.
Isso acontece com as coisas que a gente guarda e nunca se livra, que só entulham nossas prateleiras e armários. São cartas, livros, roupas, papéis de presentes, agendas e quinquilharias que ocupam o espaço das coisas novas e que realmente importam no momento presente da  vida. Não digo que as lembranças são desnecessárias ou banais, mas pense: quanta coisa inútil a gente guarda por medo de se desprender? Quantas situações deixamos em aberto por puro egoísmo, medo, ou por não sabermos como resolver no momento, mas que continuam a nos incomodar por anos a fio? 
*
Já não há mais motivos para deixar de praticar o desapego. Passar pra frente aquilo que não serve mais, além de uma atitude corajosa, me faz pensar que eu estou fechando alguns capítulos em aberto. Sei que antes eu não era capaz, seja por imaturidade ou medo, mas hoje, frente a tudo aquilo pelo que já passei e aprendi, depois de ter vivido essas escolhas e processos de rompimento, dolorosos e cicatrizados, não há mais motivos para deixar acumular qualquer coisa que não seja experiência e felicidade. 
Não que eu vá abrir mão de tudo, mas apenas daquilo que não importa mais, já passou, pronto e acabado.
*
Abri a porta do armário e retirei tudo aquilo que me pertencia - se bem que o irmão mais novo já tinha se dado ao trabalho de amontoar tudo em um espaço mínimo, afinal, ele queria um lugar a mais para guardar suas coisas... Peguei as roupas, bolsas e quinquilharias. Separei o que eu ia dar, o que ia jogar fora e o que levaria para casa. Voltei com um saquinho de mercado contendo 5 peças de roupas que ainda me agradavam. Ainda não consegui me livrar de tudo - ainda mais com uma mãe como a minha, acumuladora por natureza, dando assistência no processo - no entanto, me orgulho de ter dado um passo importante. 

Afinal, emagrecer também é um processo de desprendimento. 

domingo, 4 de maio de 2014

Pequenas conquistas

Comecei esse percurso em janeiro de 2014. Em cinco meses, começo a perceber as mudanças em meu corpo e - que felicidade! - muita coisa já mudou.
Uma das razões principais para qualquer pessoa começar um processo de emagrecimento é a conhecida crise do "nada me serve". O corpo do obeso tem inimigo mortal, o guarda roupa.
Ah, ser inanimado, que guarda desafios intransponíveis, obstáculos assustadores, guerras sangrentas... são botões que não fecham, é o zíper que não sobe, camisas com volumes sobrando, calças que não passam dos joelhos... E não há cinta que disfarce, também não adianta deitar na cama, nem dar pulinhos, essa calça não te serve mais e você terá que... comprar uma maior!!!
Bem, isso não é novidade. Enquanto eu escrevia, passou um filme na minha cabeça, afinal, todos já passaram ou conhecem alguém que já fez esse ritual em casa.
E eu estava ali, cinco meses depois de começar a dieta, pronta para encarar o armário mais uma vez. O que será de mim? Será que estou no caminho certo? Será que deu resultado?
Peguei um short jeans. Olhei para ele, que me encarou com seu.tom azul desbotado. Aquele velho short jeans, companheiro de aventuras... será que você vai se tornar meu divisor de águas?
Vesti.
Passou pelo joelho. Respirei. Subi mais um pouco e ele deslizou pela coxa, abraçando meus quadris. Cheguei a cintura. "É agora", pensei. Juntei as duas mãos e segurei a respiração. Fechei os olhos. O botão passou pela casa. Abaixei meu polegar e o indicador, até sentir o metal do zíper. Puxei devagar...
E subiu.
Subiu? Subiu!!! Abri os olhos e soltei o ar. Uau! Eu estava vestindo um short que não servia há dois anos! Dois anos!!!
Me enchi de orgulho e fui desfilar para o marido na sala, que sorriu e falou aquilo que todo marido fala:
- Hmmmm, comprou roupa nova, é?
Não, seu mané, melhor ainda! Vesti a roupa que não servia! E isso é MELHOR do que comprar qualquer roupa nova. Muito melhor!
Aí virou festa. Fui tirando cada uma das peças do armário e experimentava, ficando cada vez mais alegre. Um vestido azul, um tomara-que-caia branco, calças jeans, blusinhas... cada uma das roupas tinha uma história, e era tão bom revê-las. Uma comemoração de ano novo, o aniversário da colega de trabalho, uma peça de teatro, uma viagem... e agora elas, que estavam esquecidas, novamente poderiam fazer parte da MINHA história, do meu momento.
Deixar o passado e se fazer PRESENTE.

terça-feira, 15 de abril de 2014

A meta

Eu tenho um histórico de emagrecimento recente, com um período recheado de alegrias e fracassos. É aquela velha história do efeito sanfona, o engorda-emagrece-engorda que todo gordo conhece bem. Após um período duro de restrições alimentares e exercícios diários, finalmente o gordo sente que a vitória está perto: os poucos quilos a serem eliminados provocam um sentimento de jogo vencido. Mas todos sabem que esse é um sentimento equivocado e, como no último campeonato carioca, nos minutos finais tudo pode mudar.
Aconteceu comigo em 2005. Eu estava focada em uma dieta com um endócrino muito competente, mas um pouco demodé. Todos os quilos perdidos em seis meses foram recuperados em tempo igual ou inferior, afinal,o corpo havia mudado, já a cabeça...
O gordo tem cabeça de gordo, sejamos sinceros. Somos glutões sem limites, sentimos prazer ao comer na mesma proporção que sentimos repulsa pelos corpos roliços e inchados. E retroalimentamos prazer, culpa, euforia, repulsa, como sentimentos limitados pelo nosso desejo de comer mais. E seguimos comendo.
Três anos após essa primeira experiência, já determinada a mudar definitivamente, comecei minha segunda chance, novamente com acompanhamento médico de um médico endócrino, uma doutora excelente - tanto que nunca conseguia marcar horário...
Com ela foram 16 KG. FIQUEI RADIANTE! Era eu, novamente magra, exuberante, linda... e frágil. Nessa época me permiti diversas experiências que nunca esquecerei - amizades, amores, lugares, cheiros. Era aquela vida, agitada, plural, pulsante, que eu reconhecia como meu desejo - e não envolvia comida!
Então a vida foi se encarregando de voltar às formas que conhecemos. Nem sempre será colorida... mas poderá perceber cores diferentes àquele que só vê um tom?
Eu estava novamente me entregando ao velho vício de comer para ser. Feliz ou triste, comer fazia mais sentido que qualquer situação. Não que eu fosse infeliz. Acontece que isso não tinha valor frente a comida. Comer, em vez de um ato necessário pra sobrevivência do corpo, era mais um aditivo pra alma.
(Aquela história de alma de gordo? Verdade.)
Percebi que essa realidade me deixava cada vez mais distante daquilo que ( me proporcionava uma vida plena e segura. Do alto dos meus 29 anos e 99kg, tomei coragem e disse: ou eu começo hoje, ou vou continuar me permitindo deixar essa vida cada vez mais fragmentada por café,  almoço e jantar.
Então... comecei. E começar foi uma das decisões mais corajosas que poderia ter tomado. Afinal, você sabe, pro gordo começar - e depois desistir- não é difícil. Logo...
A meta é... não desistir. Sem peso final ou medidas a alcançar, apenas pelo esforço.
Vejo que isso é muito mais importante que "peso" ou medida, pois é a resultante de uma escolha completamente solitária. Ninguém emagrece ou engorda sozinho, mas essa decisão só pode ser tomada por um ser humano que se recusa a fazer seus próprios caprichos e ser escravo de suas vontades.
É uma seta lançada, ou ela atinge o alvo... ou nada mais pode ser feito por ela enquanto despenca no ar.