Cativando-me
domingo, 29 de março de 2015
Aquilo que se carrega...
sexta-feira, 19 de setembro de 2014
A mulher que não ria
Havia mudado de endocrinologista por motivos de mobilidade urbana, afinal, com as obras do BRT e meu horário ingrato, contrariando o Arlindo Cruz, Madureira já não era mais um lugar tão receptivo assim. Mal sabia que estaria diante de um ser mítico da mesma estirpe que a Esfinge. Ou a Monalisa.
Se bem que a Monalisa ainda tem um meio "sorriso".
Ela abriu a porta do consultório. A médica em questão deveria ter uns 30 e poucos anos. Loira, bonita, bem vestida. Só achei um pouco séria demais, mas ok, seria nossa primeira consulta. Eu, do alto de meus 90 e muitos quilos, não esperava uma recepção calorosa.
(tampouco glacial)
Notei que na consulta a médica trocou poucas palavras comigo. Olhava entendiada pra tela do computador, enquanto seus dedos teclavam as informações que ela me solicitava. Somente aquelas perguntas de peso-altura-histórico-de-doenças-bebe-fuma-etc. Aferiu pressão. Os dedos ativos. Olhar sorumbático.
"Que mulher estranha", pensei. Me fez pedidos de exames. Passou uma dieta pronta, daquelas que sai na revista, E tchau.
Ué? Já? Ok, primeira consulta, deve ser assim mesmo. Ela tinha uma lista grande de atendimento. Deve ser por isso.
Marquei para um mês depois. Nesse meio tempo comecei a Dukan. Dia da consulta. Ela me chama novamente. A mesma carranca. Achei estranho.
O mesmo olhar entediado. A mesma expressão sorumbática. Caramba... isso que é seriedade no trabalho.
Pesou. Aferiu pressão. Perguntou se estava fazendo a dieta. E pronto.
Foi a consulta mais impessoal que eu já tinha passado na vida. Até um otorrino seria mais afetuoso. Afinal, o otorrino TOCA no paciente, certo?
Ela resolveu que iria passar Sibutramina. E eu fiquei olhando pra ela, com os olhos curiosos. Marcou pra daqui a mais um mês.
Saí do consultório me sentindo um produto fabricado em série. Um mero nome naquela enorme lista de pacientes. A realidade dos planos de saúde contemporâneos - o médico impessoal.
Mais uma consulta - a terceira. Peso, pressão. Dessa vez ela perguntou, com o mesmo tom monocórdico, mas olhando pra mim, se eu havia começado os exercícios. Assustei-me. Uau, ela está se comunicando! Comecei a falar da minha rotina, dos meus horários. Ela desviou o olhar, apoiou a cabeça numa mão e escreveu na com a outra no teclado: "não". Calei-me.
Aí já era demais. Pensei, será que sou eu? Já havia emagrecido cinco quilos. Já não era mais a obesa estagnada de três meses atrás. Enchi-me de coragem. Perguntei:
- Vem cá, doutora... a senhora é sempre séria assim?
Ela desviou os olhos a tela, me olhou por milésimos e respondeu "Sim."
Nessa hora, fui eu que desviei a cabeça daquele ser e pensei comigo... que triste ela deve ser. Trabalha atendendo pessoas, cuidando da saúde delas, mas mesmo assim, não consegue demonstrar empatia. Talvez eu esperasse um outro tipo de atendimento, não que esperasse que fosse afetuoso, somente um pouco mais aberto para a troca. Afinal, eu não estou ali para ser um rato de laboratório.
Continuo sendo atendida pela doutora que não ri. Mas quando completei 10 quilos eliminados, subi triunfante na balança - já sabia do meu peso - ela conferiu a quantidade de peso e anunciou a conquista. Enquanto calçava os sapatos, não resisti:
- Mereço parabéns, não é?
Ela parou, desviou o olhar da tela, deu um meio sorriso e proclamou: Meus parabéns.
Saí do consultório me sentindo gente de novo.
E sorrindo.
domingo, 27 de julho de 2014
Conversas paralelas
quarta-feira, 4 de junho de 2014
Redesenhando...
domingo, 25 de maio de 2014
Um novo comportamento
domingo, 4 de maio de 2014
Pequenas conquistas
Uma das razões principais para qualquer pessoa começar um processo de emagrecimento é a conhecida crise do "nada me serve". O corpo do obeso tem inimigo mortal, o guarda roupa.
Ah, ser inanimado, que guarda desafios intransponíveis, obstáculos assustadores, guerras sangrentas... são botões que não fecham, é o zíper que não sobe, camisas com volumes sobrando, calças que não passam dos joelhos... E não há cinta que disfarce, também não adianta deitar na cama, nem dar pulinhos, essa calça não te serve mais e você terá que... comprar uma maior!!!
Bem, isso não é novidade. Enquanto eu escrevia, passou um filme na minha cabeça, afinal, todos já passaram ou conhecem alguém que já fez esse ritual em casa.
E eu estava ali, cinco meses depois de começar a dieta, pronta para encarar o armário mais uma vez. O que será de mim? Será que estou no caminho certo? Será que deu resultado?
Peguei um short jeans. Olhei para ele, que me encarou com seu.tom azul desbotado. Aquele velho short jeans, companheiro de aventuras... será que você vai se tornar meu divisor de águas?
Vesti.
Passou pelo joelho. Respirei. Subi mais um pouco e ele deslizou pela coxa, abraçando meus quadris. Cheguei a cintura. "É agora", pensei. Juntei as duas mãos e segurei a respiração. Fechei os olhos. O botão passou pela casa. Abaixei meu polegar e o indicador, até sentir o metal do zíper. Puxei devagar...
Me enchi de orgulho e fui desfilar para o marido na sala, que sorriu e falou aquilo que todo marido fala:
terça-feira, 15 de abril de 2014
A meta
Eu tenho um histórico de emagrecimento recente, com um período recheado de alegrias e fracassos. É aquela velha história do efeito sanfona, o engorda-emagrece-engorda que todo gordo conhece bem. Após um período duro de restrições alimentares e exercícios diários, finalmente o gordo sente que a vitória está perto: os poucos quilos a serem eliminados provocam um sentimento de jogo vencido. Mas todos sabem que esse é um sentimento equivocado e, como no último campeonato carioca, nos minutos finais tudo pode mudar.
Aconteceu comigo em 2005. Eu estava focada em uma dieta com um endócrino muito competente, mas um pouco demodé. Todos os quilos perdidos em seis meses foram recuperados em tempo igual ou inferior, afinal,o corpo havia mudado, já a cabeça...
O gordo tem cabeça de gordo, sejamos sinceros. Somos glutões sem limites, sentimos prazer ao comer na mesma proporção que sentimos repulsa pelos corpos roliços e inchados. E retroalimentamos prazer, culpa, euforia, repulsa, como sentimentos limitados pelo nosso desejo de comer mais. E seguimos comendo.
Três anos após essa primeira experiência, já determinada a mudar definitivamente, comecei minha segunda chance, novamente com acompanhamento médico de um médico endócrino, uma doutora excelente - tanto que nunca conseguia marcar horário...
Com ela foram 16 KG. FIQUEI RADIANTE! Era eu, novamente magra, exuberante, linda... e frágil. Nessa época me permiti diversas experiências que nunca esquecerei - amizades, amores, lugares, cheiros. Era aquela vida, agitada, plural, pulsante, que eu reconhecia como meu desejo - e não envolvia comida!
Então a vida foi se encarregando de voltar às formas que conhecemos. Nem sempre será colorida... mas poderá perceber cores diferentes àquele que só vê um tom?
Eu estava novamente me entregando ao velho vício de comer para ser. Feliz ou triste, comer fazia mais sentido que qualquer situação. Não que eu fosse infeliz. Acontece que isso não tinha valor frente a comida. Comer, em vez de um ato necessário pra sobrevivência do corpo, era mais um aditivo pra alma.
(Aquela história de alma de gordo? Verdade.)
Percebi que essa realidade me deixava cada vez mais distante daquilo que ( me proporcionava uma vida plena e segura. Do alto dos meus 29 anos e 99kg, tomei coragem e disse: ou eu começo hoje, ou vou continuar me permitindo deixar essa vida cada vez mais fragmentada por café, almoço e jantar.
Então... comecei. E começar foi uma das decisões mais corajosas que poderia ter tomado. Afinal, você sabe, pro gordo começar - e depois desistir- não é difícil. Logo...
A meta é... não desistir. Sem peso final ou medidas a alcançar, apenas pelo esforço.
Vejo que isso é muito mais importante que "peso" ou medida, pois é a resultante de uma escolha completamente solitária. Ninguém emagrece ou engorda sozinho, mas essa decisão só pode ser tomada por um ser humano que se recusa a fazer seus próprios caprichos e ser escravo de suas vontades.
É uma seta lançada, ou ela atinge o alvo... ou nada mais pode ser feito por ela enquanto despenca no ar.