quarta-feira, 4 de junho de 2014

Redesenhando...

Vou começar esse texto com uma expressão bem pouco original:
"Na minha opinião..."
Logo, fique à vontade para ler, descartar, opinar ou ignorar, concordar ou discordar.

Sempre fui uma criança gorda e gulosa, que afogava suas mágoas na comida. Ser gorda não era de todo um problema. Só era um problema quando eu resolvia acordar, sair da cama e conviver com as pessoas. Ninguém aguenta uma criança gorda, gulosa e dramática. Nem eu me aguentava..
Durante a infância e o início da adolescência passei grande parte do tempo observando o mundo e tentando compreender o porquê de algumas coisas. Uma criança questionadora nunca foi uma coisa fácil de se levar, ainda mais quando, além de questionadora, era também portadora daquele viés dramático que eu comentei, do tipo "só acontece comigo". Convenhamos, infância não é um período tão feliz assim... Afinal, tanta coisa era praticada diferente da teoria... Em um certo momento acabei por achar a solução de grande parte dos meus problemas juvenis: o sarcasmo. Junto com o drama, foi responsável por causar/resolver uma boa parcela dos conflitos nos quais tive participação. Enfim, um pouco do meu sarcasmo foi controlado com algumas chineladas e mocas doloridas do meu pai. Porém, quando não havia esse controle, era fatal: eu deveria aprender a conviver com as consequências da situação na qual me envolvi por causa dessa minha mania de questionar, dramatizar, ironizar, não necessariamente nessa ordem.
Quanta coisa passa pela nossa vida e não conseguimos entender. No entanto, em alguns momentos eu tento buscar relações entre esse meu processo de engorda-emagrece e a construção da minha personalidade. Eu não fui educada para me preocupar com a aparência. Tomar banho, escovar os dentes e pentear os cabelos eram as únicas coisas cobradas pelos meus pais, fora os estudos, mas eles nunca precisaram me cobrar nada, sempre fui alguém que levou a escola com tranquilidade. Mas a forma de conduzir o cuidado com a aparência -e aí coloco como aparência mesmo, estética - nunca foi algo cobrado. Tínhamos um certo conforto, bolachas para o lanche e refrigerante nas refeições. Só que existia uma coisa que sempre me intrigou: a dona sustância.
Meus pais tiveram uma infância com dificuldades severas. Dessa forma, na minha casa sempre pairou um fantasma da gulodice que era chamado por um nome, Sustância. Dona sustância habitava todas as refeições. Era preciso comer, comer muito, comer até ficar cheio (e não uso a palavra "satisfeito" propositalmente). E em qualquer situação, a comida era o pilar que sustentava esse sistema, seja em encontros familiares, saída com os amigos ou qualquer outra situação. Até a ida para a escola era motivado pela pergunta "e o lanche?". Contudo, por ser uma condição que não me causava estranhamento - afinal, comer é gostoso - eu não era capaz de perceber que aquilo era prejudicial para mim, que traria consequências severas para a minha saúde e se refletiriam na minha vida adulta com muitos quilos, colesterol alto e triglicerídios acima do normal.
Aí, é nessa hora que paro e penso: devo culpar alguém? Devo me culpar?
Bem, não sei se a culpa é algo que caiba nesse texto. Na verdade, culturalmente temos a maneira de se relacionar com a comida dessa forma, o que não quer dizer que é certo ou errado, dependendo daquilo que se entende como certo e errado. Comer é algo natural. Mas engordar, no caso, não é uma condição natural, é algo produzido por uma alimentação errada, pois todo corpo tem seus limites.
Ser e estar gordo são condições diferentes. O peso biológico é passível de modificação, mas o peso emocional, a percepção dos seus limites são condicionados aquilo que você constrói como movimento de crescimento pessoal. Analisando bem o meu processo de crescimento e aumento de peso, percebo claramente que os momentos onde eu mais engordei foram aqueles onde a comida tornou-se um aditivo para o meu regojizo ou para o pranto.  Pensar sobre a tristeza ou a alegria eram menos importantes do que comer por tristeza ou alegria. Mais que isso, para conseguir se perceber alegre ou triste, eram importante mastigar qualquer coisa.
Daí, se eu não fui educada para pensar nisso, é correto afirmar que eu sou produto de uma educação para uma cabeça gorda, porém sou capaz de questionar essa educação e construir uma nova maneira de me relacionar com a comida. Claro, a partir do momento que eu tenho esclarecimento sobre essa situação, posso fazer um movimento para modificá-lo.
Mas... ninguém disse que será fácil, certo?

Rabisco feito pelo marido, ano passado.