sexta-feira, 19 de setembro de 2014

A mulher que não ria

Era um consultório daquele tipo que se propõe a atender muita gente, que se amontoam no espaço reservado à sala de espera. Vários boxes numerados indicavam as especialidades - ginecologista, dermatologista, qualquer-outro-tipo-de-ista e, enfim, endocrinologista.
Havia mudado de endocrinologista por motivos de mobilidade urbana, afinal, com as obras do BRT e meu horário ingrato, contrariando o Arlindo Cruz, Madureira já não era mais um lugar tão receptivo assim. Mal sabia que estaria diante de um ser mítico da mesma estirpe que a Esfinge. Ou a Monalisa.
Se bem que a Monalisa ainda tem um meio "sorriso".
Ela abriu a porta do consultório. A médica em questão deveria ter uns 30 e poucos anos. Loira, bonita, bem vestida. Só achei um pouco séria demais, mas ok, seria nossa primeira consulta. Eu, do alto de meus 90 e muitos quilos, não esperava uma recepção calorosa.
(tampouco glacial)
Notei que na consulta a médica trocou poucas palavras comigo. Olhava entendiada pra tela do computador, enquanto seus dedos teclavam as informações que ela me solicitava. Somente aquelas perguntas de peso-altura-histórico-de-doenças-bebe-fuma-etc. Aferiu pressão. Os dedos ativos. Olhar sorumbático.
"Que mulher estranha", pensei. Me fez pedidos de exames. Passou uma dieta pronta, daquelas que sai na revista,  E tchau.
Ué? Já? Ok, primeira consulta, deve ser assim mesmo. Ela tinha uma lista grande de atendimento. Deve ser por isso.
Marquei para um mês depois. Nesse meio tempo comecei a Dukan. Dia da consulta. Ela me chama novamente. A mesma carranca. Achei estranho.
O mesmo olhar entediado. A mesma expressão sorumbática. Caramba... isso que é seriedade no trabalho.
Pesou. Aferiu pressão. Perguntou se estava fazendo a dieta. E pronto.
Foi a consulta mais impessoal que eu já tinha passado na vida. Até um otorrino seria mais afetuoso. Afinal, o otorrino TOCA no paciente, certo?
Ela resolveu que iria passar Sibutramina. E eu fiquei olhando pra ela, com os olhos curiosos. Marcou pra daqui a mais um mês.
Saí do consultório me sentindo um produto fabricado em série. Um mero nome naquela enorme lista de pacientes. A realidade dos planos de saúde contemporâneos - o médico impessoal.
Mais uma consulta - a terceira. Peso, pressão. Dessa vez ela perguntou, com o mesmo tom monocórdico, mas olhando pra mim, se eu havia começado os exercícios. Assustei-me. Uau, ela está se comunicando! Comecei a falar da minha rotina, dos meus horários. Ela desviou o olhar, apoiou a cabeça numa mão e escreveu na com a outra no teclado: "não". Calei-me.
Aí já era demais. Pensei, será que sou eu? Já havia emagrecido cinco quilos. Já não era mais a obesa estagnada de três meses atrás. Enchi-me de coragem. Perguntei:
- Vem cá, doutora... a senhora é sempre séria assim?
Ela desviou os olhos a tela, me olhou por milésimos e respondeu "Sim."
Nessa hora, fui eu que desviei a cabeça daquele ser e pensei comigo... que triste ela deve ser. Trabalha atendendo pessoas, cuidando da saúde delas, mas mesmo assim, não consegue demonstrar empatia. Talvez eu esperasse um outro tipo de atendimento, não que esperasse que fosse afetuoso, somente um pouco mais aberto para a troca. Afinal, eu não estou ali para ser um rato de laboratório.
Continuo sendo atendida pela doutora que não ri. Mas quando completei 10 quilos eliminados, subi triunfante na balança - já sabia do meu peso - ela conferiu a quantidade de peso e anunciou a conquista. Enquanto calçava os sapatos, não resisti:
- Mereço parabéns, não é?
Ela parou, desviou o olhar da tela, deu um meio sorriso e proclamou: Meus parabéns.

Saí do consultório me sentindo gente de novo.
E sorrindo.