Mais uma vez, minha vida mudou.
Dizem que a vida tem ciclos de três, cinco ou sete anos. Nesse momento, vivo
uma mudança de três anos. Bem, na verdade, não são bem três anos, assim, fiz umas contas rápidas, acho que é esse ciclo, mas enfim, não há um rigor temporal que sirva de parâmetro de
ciclos de vida, eu apenas reproduzi uma ou outra fala que a gente acaba
encontrando nesses blogs de auto-ajuda por aí. Como qualquer outra coisa nesse
blog, tudo não passa da vista de um ponto.
Outro dia tive uma experiência
interessante. Foi quase um momento de Alice através do espelho. Eu, adulta de
referência. Não me acho referência de nada, mas... Agora eu trabalho com
adolescentes no início da adolescência. É um trabalho interessante, numa
avaliação inicial. Deixe-me contar essa história.
A menina chega ostentando um bico
de três metros e se joga na cadeira da secretaria. Eu, já na vibe pedagógica
curiosa que me cabe, pergunto pra menina qual era o motivo que a levava a
sentar de maneira tão furiosa. “O professor mandou eu subir”, disse ela, sem
olhar para mim. Levanto a sobrancelha – na verdade, levantei as duas, nunca
consegui e sempre invejei quem tem o controle das sobrancelhas. Acho tão
bacana... Enfim, expressei minha inquietação com a resposta pouco esclarecedora
e pedi maiores explicações. Ela falou, ainda sem olhar pra mim, daquela maneira
irritantemente comum aos adolescentes, que o professor pediu para que ela
corresse e ela não queria correr. Questionei o por quê. Ela disse “Porque não”.
Respirei. Provoquei – porque sou dessas – dizendo que ela deveria ter corrido,
afinal, era aula de educação física. Ela revirou os olhos e deu um resmungo.
Sangue sobe, respiro, sangue desce. Termino de fazer o que estou fazendo e a
chamo para maiores esclarecimentos. Ela se aproximou, naquela atitude de
enfrentamento. Digo que nem adiantava aquilo, que iríamos conversar e ela
poderia me explicar a situação direito. Aí ela começa a chorar. E eu escuto que
o real motivo para aquela recusa em correr era, simplesmente, o seu peso.
“Marcela, eu não corri porque eu
sou gorda.” Entre lágrimas e soluços, ela vai me explicando que não queria
correr na frente dos colegas, tinha medo de sofrer com comentários acerca do seu
peso, do seu corpo. Uma simples menina, impedida de realizar uma tarefa simples
na aula de educação física por medo de ser julgada pela sua aparência.
Foi aí que eu percebi
que o problema não era comportamental, ou de enfrentamento e rebeldia
adolescente. Parada na minha frente, uma menina linda, mas que sofria pelo fato
de estar acima do peso. Desarmei o bote pedagógico e resolvi somente escutar
aquele coraçãozinho agoniado. Fomos andar pela escola. Enquanto caminhávamos,
ela ia desfiando uma história com tantas situações conhecidas por mim, de
sentimento de inadequação, medo e angústia. Aquela menina, com a qual eu já me
identificava a essa altura, estava completamente perdida nesse mundo de padrões
estéticos severos e tentações ululantes, sofrendo por não conseguir se adequar
àquilo que era vendido como ideal. Filha de pais obesos, moradora de comunidade
carente, num mundo de amigas magras e garotos cruéis, olhava para as revistas
de moda e pensava “Se eu fosse magra, seria mais feliz”.
E eu, do alto dos meus trinta
anos que não valiam de nada, percebi que ainda tinha o pensamento idêntico a
uma menina de treze anos no que diz respeito ao sentimento de inadequação. Mas,
por ser a adulta da conversa, não poderia simplesmente concordar e chamá-la
para afogar as mágoas em um brigadeiro na padaria ali na esquina.
Ali, naquele momento, eu poderia
fazer diferente. Mostrar a ela que todos os impedimentos só existiam naquela
cabecinha, que o peso não era motivo de infelicidade, que a adolescência era um
período de muitas incertezas, muitas descobertas, muitos tombos, muitos
acertos. Porém, se realmente quisesse emagrecer, primeiro deveria se aceitar da maneira como ela é: Gorda.
Ela não entendeu. Expliquei que
não era simples, mas que era exatamente por se amar que conseguiria ter coragem
para a mudança. Se continuasse negando a si mesma, odiando o seu corpo e
detestando sua condição, não conseguiria descobrir sua motivação. Contei minha
estória com a balança. Ela fez um “uau”. Uau, para mim, foi um grande elogio.
Para finalizar, retomamos o
problema inicial com a aula de educação física. Reincorporei a pedagoga. Expliquei
que ela não poderia se recusar a participar, pois principalmente naquela
disciplina ela iria encontrar ferramentas para o objetivo de emagrecimento. Fomos
para a quadra falar com o professor, que entendeu o problema e reiterou a minha
fala. Um pedido de desculpas pela atitude inadequada e a adolescente voltou
para a aula. E eu voltei para o meu trabalho.
No entanto, não era mais a mesma.
Tinha um pouco de mim nela. E ela tinha deixado um pouco dela dentro de mim.
Aquilo que se carrega quando a vida muda.
Bacana. Fez a diferença na vida da menina. Deve ter sido bem gratificante
ResponderExcluirFoi nada... depois eles fazem uma besteira e você acaba pensando "onde fui amarrar meu burro..."
ExcluirGoste de ver na prática a sensibilidade e o tato com que lidou com o problema...caminhos que fazem a diferença!
ResponderExcluirMe fez lembrar de uma frase... "Eu sou a soma de tudo que vejo" ou "Eu sou a soma dos que vieram antes de mim"..
ResponderExcluirSei lá, pois guarda algo como um ciclo.
Como se tivesse que estar ali ou sua vida foi preparada para esse momento.
Se pelo menos eu fosse religioso isso faria sentido... rs